quinta-feira, 31 de julho de 2014

Uns são filhos, outros enteados

As uniões com filhos de outros casamentos eram, até há pouco tempo, raras. O divórcio era um tema quase tabu e, na maioria dos casos, só uma viuvez permitia reconstruir a vida com alguém. Hoje, o cenário é outro. Quando um casamento não dá certo, como se costuma dizer, "parte-se para outra". E, assim, os filhos do primeiro casamento (a existirem) repartem as suas vidas com o novo casal, do qual, muitas vezes, nascem mais descendentes. São as chamadas "famílias recompostas" ou "reconstituídas", que aumentaram significativamente nos últimos anos. Para simplificar, neste artigo, designamo-las por "famílias mistas". Se um dos cônjuges de uma família dita tradicional (apenas com filhos comuns) morre, a distribuição da herança é simples: cônjuge e filhos herdam em partes iguais, sendo que o primeiro nunca poderá receber menos de 25% (ver primeiro esquema). Já numa família cujos filhos têm diferentes progenitores, podem surgir surpresas.
Testamento garante igualdadeQuando não existe testamento, a lei define que a herança é distribuída pelos herdeiros legítimos. São eles, por ordem de prioridade: cônjuge e descendentes (filhos, netos, bisnetos, etc.); cônjuge e ascendentes (pais ou avós); irmãos e seus descendentes (sobrinhos, sobrinhos-netos, etc.); outros parentes (tios, tios-avós e primos direitos); e o Estado.

Os parentes mais chegados impedem que os mais afastados herdem. Por exemplo, se houver filhos, os pais do falecido não são contemplados. Se os primeiros não quiserem ou não puderem aceitar a herança, serão chamados os herdeiros seguintes e assim sucessivamente.

O cônjuge, os ascendentes e descendentes são chamados herdeiros legitimários porque têm prioridade em relação a qualquer outro potencial herdeiro. A parte que lhes cabe é definida por lei e não pode ser reduzida. Trata-se da "quota indisponível" da herança, que não pode ser atribuída a outra pessoa ou entidade. Nem mesmo a um enteado que seja tido como filho próprio (se não tiver sido adoptado plenamente).

O testamento é a única forma de contornar este "desvio" entre o que a lei estipula e a vontade de quem quer dispor do seu património por morte. Neste, pode atribuir livremente a "quota disponível" da herança. No caso de sobreviverem o cônjuge e um ou mais filhos, a quota indisponível é de dois terços e a disponível, de um terço. Se o cônjuge já tiver falecido e existir apenas um filho, a parte disponível é de 50 por cento.


Deserdar só em alguns casosOs herdeiros legitimários só deixam de receber bens se forem deserdados. É o que acontece caso sejam condenados por crime contra a pessoa, os bens ou a honra do proprietário da herança, do seu cônjuge, descendentes, ascendentes, adotantes ou adotados, desde que ao crime corresponda pena de prisão superior a 6 meses. O mesmo sucede se forem condenados por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as pessoas referidas, ou se recusarem alimentos ao autor da herança ou ao seu cônjuge, sem justa causa. A vontade de deserdar terá de ser declarada expressamente em testamento, com indicação do motivo.

Para evitar conflitos entre familiares e assegurar que alguém querido (que não seja herdeiro legitimário) recebe uma parte dos seus bens, o ideal é distribuí-los por testamento. Os testamentos podem ser públicos ou cerrados. Os primeiros são redigidos por um notário, segundo as instruções do interessado. Os segundos são escritos pelo próprio e ficam em poder do autor ou são depositados num cartório notarial. Para casos mais complexos, é preferível consultar um advogado.

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